domingo, 15 de outubro de 2017

"Há algo podre no reino da Dinamarca". Essa frase ficou conhecida por ter sido usada por Shakespeare em Hamlet, mas não poderia estar mais longe da descrição desse país escandinavo. A Dinamarca é, muitas vezes, eleita como o país mais feliz do mundo e durante o pouco mais de um ano que morei na capital, Copenhague, me acostumei a ver cenas que lembravam propaganda de margarina: casais passeando em bicicletas para duas pessoas, crianças de cinco anos indo e voltando da escola sozinhas no metrô, carrinhos de bebê tomando sol do lado de fora do restaurante enquanto as famílias almoçavam do lado de dentro. A palavra que melhor poderia descrever a Dinamarca na minha opinião é confiança. As pessoas confiam umas nas outras. Supermercados deixam gôndolas do lado de fora da loja, não há catracas ao entrar no transporte público, são comuns restaurantes onde você se serve e paga sem controle de funcionários. Quando aluguei a casa em que morei, conheci o dono pela internet e como ele estaria viajando durante a minha chegada, ele simplesmente deixou a casa aberta. E o mais impressionante: eu praticamente não via polícia nas ruas nesse que é um dos países mais seguros do mundo!


Nyhavn em Copenhague
Apesar de achar que a palavra que melhor define a Dinamarca é confiança, imagino que os dinamarqueses prefeririam outra: hygge! O hygge não pode ser traduzido literalmente e é na verdade uma coleção de hábitos usados pela população do país que faz com que as pessoas se sintam em casa e à vontade. Envolve conceitos tão diferentes como: tomar chá em um xícara de porcelana, assistir tv à luz de velas e não alterar a voz em meio a uma discussão. O conceito de hygge aparentemente ainda não chegou ao Brasil, mas já foi exportado à toda Europa, onde livros sobre esse hábito podem ser facilmente encontrados.

A Dinamarca é um país pequeno, com a mesma área do estado do Rio de Janeiro e uma população de 5,5 milhões de pessoas. A Groelândia e as Ilhas Faroe também pertencem à Dinamarca, apesar de seus governos terem muita autonomia. Por estar na Escandinávia, o clima do país é ameno durante o verão e frio durante o inverno. No verão, a temperatura raramente passa dos 20°C e os invernos - apesar de frios para os acostumados a um país tropical - são relativamente amenos para o restante dos escandinavos. As temperaturas em janeiro e fevereiro tem uma média de 0°C. Apesar do frio, o que mais me incomodou durante o inverno não foi a temperatura, mas sim a (baixa) quantidade de horas de luz. No solstício de inverno, no final de dezembro, o sol se põe alguns minutos após as 15h. E até o conceito de sol é algo relativo. O inverno é marcado por dias com chuva ou neve, o que faz com que o céu esteja sempre nublado. É normal no inverno, que durante todo o mês, a população veja o sol no horizonte por poucas horas. E não ache que durante o verão o clima melhora! Apesar do sol se pôr por volta das 22h durante o solstício de verão, os dias são sempre chuvosos e é normal ter dias seguidos de chuva sem trégua.



Inverno em Copenhague

Imagino que após descrever um clima tão pesado você esteja se perguntando como a população é tão feliz. Os dinamarqueses aprenderam a continuar suas vidas normalmente, independente das condições climáticas. Achava muito legal ver que as bicicletas não param nem mesmo com a cidade toda nevada e que as pessoas saem pra correr até nos dias de chuva (praticamente todos os dias). Durante o frio inverno, a população sai de casa para aproveitar as feiras de natal e tomar vinho quente. Eu que não gostava do vinho quente, tomava a J-Beer, que é a cerveja natalina da Carlsberg, lançada no J-Day, quando eles a distribuem de graça nos bares da cidade.


Verão em Copenhague tomando sol nos canais

O transporte público é muito bom com metrô e ônibus conectando toda Copenhague e trens conectando todo o país. O ponto negativo é que o bilhete é mais barato para quem conta com o cartão Rejsekort, uma espécie de Bilhete Único para quem mora em São Paulo. Custa cerca de 120 DKK (R$70) com 70 DKK de crédito. Mas, o mais legal na minha opinião em relação ao transporte eram as bicicletas. Antes de morar na Dinamarca, eu achava que a Holanda era o país das bicicletas. Ledo engano. A infraestrutura para os ciclistas é ótima: muitos estacionamentos, pontes e túneis exclusivos para as magrelas e ciclovias em 90% das ruas, além de vagões nos trens para levá-las. E a população toda as usa. Na universidade, todos os professores - e até o reitor - iam ao trabalho, diariamente, em suas bicicletas. A bicicleta é, sem dúvida, a melhor maneira de o turista explorar a cidade, podendo tanto alugar as da cidade, que são um pouco caras por contar com tablet com GPS e motor elétrico, ou alugar em alguma bicicletaria.

Um ponto a ser considerado ao se viajar a Dinamarca é o preço. A moeda é a coroa dinamarquesa e o câmbio é bem fácil de ser calculado já que R$2 é mais ou menos 2 DKK (em 2017). Quando me mudei pra lá, eu fiquei muito preocupado durante as primeiras semanas achando que o dindim que eu havia guardado pra passar um ano estudando não daria pra me manter. Após um tempo, passei a fazer as coisas mais como um local do que como um turista e assim comecei a economizar. Porém, para os viajantes, não há muita escapatória. Espere pagar cerca de R$40 por uma pinta de cerveja nos bares da cidade. O transporte público tem preços dinâmicos e uma viagem nos horários de picos custa R$7. Os restaurantes são, consideravelmente, caros e espere pagar mais de R$100 por pessoa em um lugar "normal". Os preços são tão altos que as famílias raramente vão a restaurantes, preferem se juntar em suas casas para alegres almoços e jantares. Pra eles, os altos salários acompanham os preços, pra nós não!



Mercados de Natal espalhado pela cidade

Apesar da impressão de ser um povo frio, para os padrões escandinavos, os dinamarqueses são praticamente latinos. Eles são razoavelmente comunicativos e era fácil iniciar uma conversa. Outro ponto facilitador é que toda a população fala inglês fluente. Durante minhas primeiras semanas eu sempre perguntava se a pessoa falava inglês antes de começar uma conversa. A pessoa geralmente me respondia que falava mais ou menos e logo eu notava que esse inglês mais ou menos era perfeito! Nossos vizinhos e amigos sempre nos convidavam para comer e o costume do lugar é levar flores. Eles adoram flores e as espalham por toda a casa. Os dinamarqueses são também tranquilos quanto à bebida e, até onde eu sei, o único país escandinavo em que se pode consumir álcool nas ruas.


Túmulo de Hans Christian Andersen no Cemitério de Assistens no bairro de Nørrebro

Copenhague é a capital e maior cidade da Dinamarca, lar de quase 500 mil pessoas. Pra nós aqui na América Latina parece pouco, mas pra eles é uma cidade enorme. Copenhague fica na ilha de Sjælland, que junto com Fyn e Jutland, formam as três maiores ilhas do país. Preparei uma lista dos meus lugares favoritos de Copenhague e alguns próximos à cidade. As entradas aos museus têm desconto com carteira de estudante. Não espere 50%, mas sim algo entre 10 e 20% (quando há).

A Pequena Sereia - Essa é sem dúvida a atração mais conhecida da Dinamarca, mas que acaba desanimando muita gente já que a escultura é, na verdade, pequena. Por conta da brincadeira com o tamanho, já até escutei gente dizer "A Monalisa da Dinamarca". A atração pode ser vista desde a costa, caminhando ou passando de barco. A estátua foi construída em homenagem a uma das fábulas do mais conhecido escritor dinamarquês, Hans Christian Andersen, que escreveu também O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo, A Roupa Nova do Rei, entre muitas outras.


A Pequena Sereia

Nyhavn - Apesar da palavra em dinamarquês "porto novo", Nyhavn foi construída no século XVII. Hoje, os casarões históricos próximos ao canal estão muito bem mantidos formando, na minha opinião, o melhor cartão postal de Copenhague. O local abriga muitos bares e restaurantes. Devido à quantidade de turistas, os preços são maiores do que nos bares da cidade. Próximo à Nyhavn saem os barcos que exploram os canais. Esse passeio é imperdível, pois te leva a vários outros cartões postais e custa 40 DKK (R$20), o que não é nada caro para os padrões de lá.

Frederiksberg Have (Park) - Copenhague é a cidade mais verde que já conheci e a quantidade de parques espalhados por lá é incrível. Frederiksberg fica na zona sul da cidade e abriga o Zoológico, o Palácio de Frederiksberg e o Museu da Cisternas, que das antigas galerias pluviais. Eu adorava correr por lá, já que além de lindo, o parque ficava ao lado de minha universidade e próximo a minha casa, em Valby.


Frederiksberg Palace no outono com as árvores já sem folhas

Christiania - É até difícil acreditar que um bairro como esse existe em uma cidade tão organizada como Copenhague. Christiania é um bairro hippie, onde as leis à respeito de drogas não se aplicam. No local, que ocupa uma área de mais ou menos 10 quarteirões, vivem muitos artistas e a compra e venda de drogas se dá tranquilamente no meio das ruas. Aparentemente, Christiania já foi maior, mas o governo acabou tomando parte do bairro devido à presença de várias gangues. Apesar da impressão que essa descrição possa ter te causado, pode ir tranquilamente, pois o local é seguro.

Rosenborg - A Dinamarca é recheada de castelos e apesar de não ser o mais impressionante, Rosenborg está no centro de Copenhague. A entrada aos jardins, que são  bonitos e perfeitos para fazer um picnic ou ficar de bobeira, é grátis. A entrada a Rosenborg custa 145 DKK (R$70). A parte interna conta com obras de arte, móveis de época e joias da coroa, mas na minha opinião a fachada é o mais impressionante.



Vista do Castelo de Rosenborg desde o Jardim Botânico

Museu de Arte da Dinamarca (Statens Museum for Kunst) - A entrada custa 150 (R$75) e pra quem gosta de arte tem várias obras escandinavas e também do restante da Europa começando no século XIV.

Gliptoteket - Essa é a coleção de arte da Fundação Carlsberg, dona da cervejaria Carlsberg. Contém esculturas e relíquias egípcias, gregas e romanas, arte francesa e dinamarquesa. Eu não gosto de museus muito grandes porque acabo perdido tentando ver tudo e, por isso, prefiro os menores e temáticos como a Gliptoteket. A primeira vez que fui paguei a entrada normal, que custa 115 DKK, mas depois descobri que às terças a entrada é grátis!



Interna da Gliptoteket

Jardim Botânico - Perfeito pra passar algumas horas. O jardim botânico tem uma parte aberta e outra fechada. Adorava entrar na parte fechada durante o inverno quando a cidade estava toda congelada e a temperatura dentro da estufa beirava os 30°C. A entrada é grátis, então aproveite pra economizar as suas coroas.


Jardim Botânico de Copenhague

Carlsberg Museum - Funciona no mesmo lugar onde ficava a primeira fábrica da Carlsberg, no bairro de Carlsberg em Copenhague. Se você já foi à fábrica de alguma das outras grandes cervejarias europeias como Guinness ou Heineken, achará Carlsberg pequena. O mais legal, na minha opinião, é o bar que funciona durante o verão. A linha de sidras deles chamada Somersby quebrou todo o meu preconceito em relação à bebida.

Tivoli - É o segundo parques de diversões mais antigo do mundo ainda em funcionamento. Sua decoração muda de acordo com a época. Eu o visitei no Halloween e gostei bastante. O preço da entrada varia conforme a época do ano, custando em média 120 DKK (R$55). Vá cedo para passar ao menos umas três horas. Há brinquedos que podem tanto ser pagos à parte ou em uma entrada mais cara que te dá entradas ilimitadas.



Halloween no Tivoli

Warpigs - Saí muito pouco a comer em Copenhague, principalmente por conta dos preços, mas meu lugar favorito - sem sombra de dúvidas - é o Warpigs. O restaurante fica no bairro boêmio de Meat Pack District, onde funcionavam os antigos matadouros da cidade. Espere mais de 30 tipos de cerveja diferentes, rock em volume alto e muita carne.


Comemorando o aniversário da minha irmã no Warpigs

Selecionei também alguns lugares que apesar de não serem em Copenhague, estão próximos e podem facilmente ser acessados por trem.

Kronborg - Também conhecido como Castelo Hamlet, já que a obra de Shakespeare se passa lá. Durante o verão, a peça é inclusive encenada pelo castelo. O castelo fica na cidade de Helsingør, que em trem está a mais ou menos 40 minutos ao Norte de Copenhague. A entrada custa 90 DKK. Helsingør está bem próxima à Suécia e pode ser rapidamente atravessada em balsa em um percurso que dura aproximadamente 15 minutos. Caso deseje fazer o passeio, leve o seu passaporte. Apesar de não haver imigração, a polícia Sueca costuma conferir os documentos.



Castelo de Kronborg

Frederiksborg - De todos os castelos mencionados aqui, Frederiksborg é de longe o meu favorito. Também não fica em Copenhague, mas a meia hora em trem, na cidade de Hillerød. O castelo foi residência do Rei Christian IV, durante o século XVII. Seu interior preserva várias obras de arte, um órgão gigantesco e uma arquitetura incrível. Imagine Rosenborg em uma escala bem maior.


Minha mãe no Castelo de  Frederiksborg

Viking Museum - Fica na cidade de Roskilde, que está próxima a Copenhague e pode facilmente ser visitada em trem. Roskilde é conhecida por abrigar um dos maiores festivais de rock da Europa. O museu conta a História dos vikings, focado em suas embarcações. As técnicas utilizadas pelos vikings foram perdidas no passar dos séculos e hoje o museu tenta recuperá-las usando os barcos que foram retirados do fiorde de Roskilde. Caso vá visitar o museu, vale a pena passar o dia pela cidade, que conta com um centro muito bonito com destaque para a belíssima Catedral de Roskilde.

Møns Klint - Único dos meus lugares favoritos que não pode ser visitado de trem. Para usar transporte público há que fazer uma combinação de trens e ônibus já que o lugar não está mais na ilha de Sjælland, mas sim na de Møns. Eu fui com o carro emprestado do dono da minha casa (não disse que os dinamarqueses são muito simpáticos!?) que praticamente insistiu que eu fosse. O lugar é uma praia com falésias de areia branca. Pra dizer a verdade, há falésias pouco conhecidas muito mais bonitas no Brasil. Entretanto, mesmo assim, vale dedicar um dia ao passeio para ir parando nos charmosos vilarejos do caminho.

Tentei falar um pouco das minhas impressões à respeito da Dinamarca e de Copenhague e passar minha lista de lugares favoritos próximos à capital. Adorei conhecer esse país com uma cultura tão rica e uma sociedade tão desenvolvida. Temos muito o que aprender com eles.


Gangue da universidade reunida em nosso bar favorito, Svejk

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