terça-feira, 3 de outubro de 2017

Viajando pela América do Sul acabei conhecendo muitos israelenses. O serviço militar no país é obrigatório: três anos para homens e dois para mulheres. E os jovens, com frequência, tiram um ano sabático após terminar o serviço militar. Muitos aproveitam esse período e vêm à América do Sul percorrer nosso continente. Inclusive já me hospedei em albergues pela região que no momento do check-in descobri que todos os hóspedes eram israelenses. O quê mais me chamou a atenção é que ao contrário dessa imagem de um país extremamente religioso, os jovens israelenses que conheci eram muito progressistas. Meu plano era conhecer esse Israel de extremos, que tanto havia chamado minha atenção.

Como - eu, minha irmã e minha esposa - estávamos na Jordânia, decidimos atravessar a fronteira por terra, vindo de Aqaba e entrado em Eilat, pela fronteira Yitzhak Rabin. Mas, como eu havia mencionado, havíamos passado algumas semanas no Irã, justamente antes de ir à Jordânia. E ainda na saída da Jordânia, que é um país muçulmano, fui questionado por ter um visto iraniano no passaporte. Jordânia e Irã são países muçulmanos, mas há uma grande diferença entre ambos. O Irã é xiita, enquanto a Jordânia é sunita. E como é de se imaginar, essas duas vertentes do islamismo não se dão bem! E como consequência, eu já sabia que atravessar essa fronteira com o tal carimbo iraniano no passaporte não seria nada fácil...



Templo do Monte da Rocha em Jerusalém
Na fronteira, bati papo com um local gente boa, que nos ofereceu carona e passou várias dicas do que fazer. Ele até disse que nos esperaria após o controle, mas ele não sabia que nossa entrada iria demorar... Israel não carimba mais passaportes. Eles entregam um papel, que deve ser devolvido depois, na saída de Israel. A principal razão é que um visto de Israel no seu passaporte garante que você não entre mais em nenhum país muçulmano, até conseguir uma nova via do passaporte. A funcionária da imigração foi legal e, inclusive, falava inglês, português e espanhol perfeitos. Liberou a entrada da Marina e da Rocio sem rodeios, mas ao ver meu tal visto iraniano, ela me chamou para uma salinha especial. Mudou o tom da conversa e trocou o português pelo inglês, após me avisar que estávamos sendo gravados. Pediu todos os meus dados de redes sociais, emails, telefones e etc. Imagino que eles tenham um software para vasculhar a pegada digital. Durante a espera, que parecia não terminar, eu já comecei a fazer planos de como seguir viagem caso minha entrada fosse negada, pois meu voo saía de Tel Aviv (de volta à Dinamarca). Até a hora em que a funcionária da imigração interrompeu meus planos pra dizer que minha entrada havia sido autorizada! Passado o stress, até que pareceu não demorar muito. Eu só tive coragem de entrar em Israel com o tal carimbo iraniano porque um amigo me disse que fez o mesmo em uma viagem anterior. Me disse que haveria espera, mas que eu entraria. Ele esperou oito horas e eu esperei apenas quatro!

A primeira impressão logo ao chegar em Israel foi uma surpresa. Entrar em Eilat por terra, vindo da Jordânia, marcou uma grande diferença entre ambos países. O lado israelense é mais verde, limpo e urbanizado. A segunda foi que até as praias ficaram mais bonitas! De todos os países banhados pelo Mar Vermelho, Israel tem a menor costa, apenas 11km. Apesar da costa diminuta, Eilat é bem interessante! Assim como Aqaba, Eilat é uma zona franca e atrai muito turismo, principalmente local. Há muitos hotéis, centros de mergulho, bares e restaurantes espalhados pela orla. Uma verdadeira riviera! Inclusive, desde os hotéis mais altos, você tem uma vista de quatro países: Israel, Jordânia, Egito e Arábia Saudita. Há algumas atrações na cidade, como museu e aquário. Mas, justamente esse dia, marcava o último dia das celebrações do ano novo judaico (Rosh Hashana) e, por consequência, estava tudo fechado! O único lugar que encontramos para comer era um McDonald's. 



Perdidos por Eilat

A primeira coisa que fizemos em Eilat foi comprar a passagem de ônibus. Pelo mais estranho que pareça, há pouca frequência diária de lá para Jerusalém, que seria nosso próximo destino. Ficamos tanto tempo de molho na imigração, que apesar de sair cedo da Jordânia, o próximo ônibus disponível partia às 16:45. A viagem de Eilat à Jerusalém demorou cerca de cinco horas e custou 70 Novo Shekel (ILS). O câmbio é parecido com o real, ou seja, a conversão é quase um para um.


Vista de fora do lado murado de Jerusalém

Apesar de termos passado algumas horas em Eilat, o nosso plano era seguir à Jerusalém, que é uma cidade histórica com muito para se conhecer. Apesar de não me interessar por religiões, o valor histórico da cidade é incalculável e poder conhecer o lugar onde aconteceram muitas das histórias tão conhecidas por nós brasileiros, que somos um país majoritariamente católico, é interessante. Resumindo, me interessei pelo lado cultural de Jerusalém, ligado à sua importância religiosa. Toda essa imponência era visível desde que chegamos à cidade, já durante à noite. Acabamos apenas jantando próximo ao nosso albergue e caímos na cama. Nos hospedamos no albergue Citadel Youth, na parte histórica, próximo ao Portão de Jaffa. Israel não é um país barato! Seus preços estão mais para Europa do que para Oriente Médio. Pagamos U$80 por dia para um quarto para três pessoas.

Em nosso primeiro dia completo em Jerusalém, fomos ao Mar Morto. O plano inicial era fazer o passeio com alguma agência, mas comparamos os preços e o mais vantajoso seria alugar um carro. Há muitas praias no Mar Morto e fica até difícil escolher. Acabamos escolhendo Ein Bokek porque era pública e muito recomendada. A maioria das praias são pagas. Chegando lá, fomos surpreendidos com a infraestrutura da praia, que contava com: duchas, acesso para descapacitados e tudo mais. Recomendo!



Flutuando sem esforço no Mar Morto

Meus amigos que conheciam o Mar Morto me disseram que o lugar não é tão interessante e que depois de meia hora já dá vontade de ir embora. Isso não aconteceu! Imagino que seja pelo balneário escolhido. Adorei a facilidade para flutuar! O problema é que não dá para molhar a cabeça já que o sal faz os olhos arderem muito. Digo isso com conhecimento de causa! O Mar Morto é o ponto mais baixo do planeta terra, chegando a 430 metros abaixo do nível do mar.

Um ponto triste à respeito é que seu volume vem diminuindo rapidamente. Nos últimos anos, o seu nível tem baixado cerca de um metro ao ano. A principal razão é que a água que o alimenta, vindo do Rio Jordão, tem sido desviada para consumo e agricultura. Apesar do nome Mar Morto, o local é na verdade um lago e esse lago, hoje, já foi praticamente transformado em dois, já que o Norte mal se conecta com o Sul, devido à diminuição do volume.


Marina passeando pelo oásis de Ein Gedi

Após o Mar Morto, tivemos de escolher entre ir à Masada ou a Ein Gedi. Masada são as ruínas de uma fortificação judaica destruída pelos romanos. Mas, acabamos indo à Ein Gedi. A minha curiosidade era ver cachoeiras naturais em um lugar tão desértico, um verdadeiro oásis. Durante o verão, a entrada fecha às 16h e o parque às 17h. Chegamos justamente às 16h e apesar de conseguirmos entrar, precisamos fazer a trilha com (um pouco de) pressa. Caminhamos até a maior cachoeira, chamada Cachoeira de David, e entramos na água em outra cachoeira mais abaixo. Vimos alguns animais pelo parque, como uma família de veados. O parque tem trilhas mais longas e conta, inclusive, com um ótimo mirante do Mar Morto.


Em uma das cachoeiras de Ein Gedi

Após o parque, voltamos à Jerusalém. O acesso ao Mar Morto se dá por um território Palestino e durante a volta não pegamos a saída correta da rodovia para entrar à Jerusalém. O GPS logo recalculou e aparentemente não teríamos de fazer o retorno, mas poderíamos usar outra saída mais à frente. Após passar por essa outra saída, entramos por um lado de Jerusalém que nos chamou a atenção. O hebraico nos outdoors foi substituído pelo árabe. Os carros andavam pela contramão e as motos pela calçada. As placas dos carros não tinham mais o "IL" de Israel, mas sim um "P". E poucos minutos depois, uma mensagem no celular da Rocio tirou nossa dúvida, com um sms da operadora de telefonia informando: bem-vinda à Palestina! Há dois grandes territórios palestinos em Israel. O maior é a Cisjordânia, que é onde estávamos. E na fronteira com o Egito, há a Faixa de Gaza. Eu imaginava que haveria um grande controle na entrada, como nos assentamentos ou na Faixa de Gaza, mas para ir de Jerusalém Oriental a Ocidental e vice-versa, não vimos nenhum controle.

Apesar de toda a diferença entre os dois territórios, por outro lado, há mas convívio e relações entre judeus e muçulmanos que eu havia imaginado. Muitos judeus vão à Palestina para encontrar preços mais baratos e muçulmanos fazem o caminho inverso para trabalhar no setor de serviços. As placas estão praticamente todas em hebraico, árabe e inglês e os árabes têm até um partido político em Israel, apesar de minoritário. Não quero pisar em ovos, mas isso me fez lembrar algo que eu havia escutado na Jordânia: um local dizendo que confiava mais nos israelenses do que nos iranianos.


Muro das Lamentações

No dia seguinte, aproveitamos para caminhar por Jerusalém. Esse dia marcaria também a despedida da minha irmã. Havíamos começado essa viagem a Rocio, minha mãe e eu pela Dinamarca. Meu pai e minha irmã se uniram depois em Varsóvia, na Polônia. Meu pai e minha mãe voltaram ao Brasil desde Moscou, na Rússia. E agora minha irmã nos deixaria. E eu e a Rocio terminaríamos a viagem sozinhos. Fizemos o free walking tour por Jerusalém passando pelos quatro bairros da cidade: católico, judeu, armênio e islâmico. É incrível ver como os bairros são divididos! Eu nunca vi tanta segurança na minha vida: muuuuita gente armada. A impressão é que Jerusalém é um barril de pólvora prestes a entrar em ignição. Imagino que isso é tudo, menos o que os profetas dessas religiões queriam. O ar é pesado e apesar de gostar ter conhecido Jerusalém, não tenho planos de voltar, por conta disso.


Fomos ao Muro das Lamentações e aproveitamos para escrever um desejo em um papel e colocá-lo na parede. De lá, fomos ao Templo do Monte da Rocha. Há várias entradas, porém apenas uma é aberta para não muçulmanos, a que fica exatamente acima do Muro das Lamentações. A história do monte é bem interessante. Segundo a narrativa, foi esse o lugar onde Abraão preparou o sacrifício de seu filho e Salomão construiu o primeiro templo 1000 anos antes de Cristo. E de acordo com o islamismo, o templo marca também o lugar onde Maomé fez sua ascensão aos céus. Tentamos entrar, mas, aparentemente, apenas muçulmanos podem fazê-lo, o que ficou claro pra gente com o guarda que rosnou ao nos aproximarmos para perguntar. Lendo pela internet, descobri que o direito de entrada é uma eterna briga entre islamismo e judaísmo, e que atualmente apenas muçulmanos podem adentrar mesmo. Para quem não sabe o que é, o Templo do Monte da Rocha é o templo de domo dourado bastante conhecido em Jerusalém.



Igreja do Santo Sepulcro

Fomos também à Igreja do Santo Sepulcro, que marca o local onde Jesus foi sepultado. A igreja foi construída acima da caverna, que foi o local do sepulcro. O que eu achei interessante é que apesar de ser um local tão sagrado, há (muito) menos gente do que em (muitas) outras igrejas que vi pela Europa. Passamos também pelo Monte das Oliveiras, que é conhecido como o local onde Jesus ascendeu ao céu; ficando fora da cidade velha, que é toda murada, mas facilmente acessível à pé. Também aproveitamos para caminhar pela Via Dolorosa, que é o caminho que fez Jesus com a cruz.


Repetindo o caminho que fez Jesus com a cruz pela Via Dolorosa
Marina no Monte das Oliveiras

Após três dias em Jerusalém, era hora de ir à Tel Aviv. Gostei de Jerusalém, mas como disse, o clima é bastante pesado. Realmente, senti todo esse clima de guerra religiosa. Pegamos o metrô de superfície, que fica próximo ao Portão de Jaffa e fomos à rodoviária. Os ônibus saem a cada 30 minutos e custam 15 ILS. A viagem é rápida e dura menos de uma hora. Há ônibus que vão ao Sul e outros ao Norte de Tel Aviv, por isso se informe antes de subir. Há uma linha de trem rápido em construção que ligará as duas cidades e logo deve estar pronta.


Relógio em Jaffa, Tel Aviv

Tel Aviv é completamente distinta de Jerusalém. É uma cidade moderna e cosmopolita. Todo o clima de barril de pólvora de Jerusalém desapareceu. A cidade me surpreendeu pelo clima de praia que tem! Me lembrou o Rio de Janeiro! Uma orla muito linda com ciclovia e muita gente fazendo exercícios. Me surpreendi também com a quantidade de gente com bicicletas e patinetes elétricos. De turismo mesmo só fomos à Jaffa, que é o bairro islâmico e histórico, onde começou a cidade e ao Shuk Carmel (mercado). Há alguns museus que parecem ser interessantes, a maioria ligados ao judaísmo, e um bairro com vários edifícios no estilo arquitetônico Bauhaus, mas acabamos não indo. Sabia que havia muito a explorar em Tel Aviv, mas gostei tanto do clima da cidade que a Rocio e eu aproveitamos para curtir as tardes na praia com meu amigo Roderick e seu filho. Ele estava de mudança à Israel, vindo da Suíça com sua esposa, que é judia. E como ele ainda não tinha emprego, estudava hebraico de manhã e ia à praia conosco durante a tarde. Além do mais, estávamos um pouco cansados, já que tínhamos iniciado essa viagem ainda na Dinamarca, algumas semanas atrás e rodado por vários lugares. A praia de Tel Aviv pareceu o lugar perfeito para relaxar e refletir sobre todos os lugares por onde havíamos passado e tudo que havíamos vivido nessas semanas tão intensas.


Tel Aviv dentro de uma moldura

Adorei conhecer Israel e sem dúvida quero voltar. Me apaixonei por Tel Aviv e fiquei contente pelo meu amigo morando em um lugar tão legal! Gostaria de voltar à Israel e conhecer os outros lugares interessantes que o país tem, como as Colinas de Golã, o Mar da Galileia e Masada. Oportunidades surgirão!


Eu (10 kg a menos) e Roderick na praia em Tel Aviv
Pôr do Sol em Tel Aviv

0 comments:

Postar um comentário

Populares

Seguidores

Total de visualizações de página